segunda-feira, 21 de maio de 2018

Porque sou republicano





E as fotos da lua-de-mel não tem?


Os mais jovens não sabem de certos escândalos da família real britânica.O meu pai stalinista contava,na mesa de jantar,como tinha sido escandalosa a recusa do duque de Windsor em ser rei,para se casar com a divorciada Wally Simpson.Porque o escândalo eu lhe perguntei ,e ele não soube me responder.
O escândalo se dá porque aparentemente as monarquias expressam a união da mediação política com o núcleo central da sociedade ,cultural e pedagógico,que é a família,cuja conformação básica vem desde a Idade Média.
O republicanismo romano repudiava os reis  ou os imperadores por causa do seu autoritarismo.A vinculação das monarquias,a partir da referida Idade Média,com a família,servia para evitar esta crítica:a monarquia era diferente dos impérios.Os impérios são uma imposição,mas as monarquias têm um propósito legítimo de garantir a coesão social através da família e educá-la nos “ bons costumes  e valores”.Nem sempre esta distinção ocorreu.Vemos Napoleão,como Imperador,ter uma “ família real”.A inclusão da família servia para tudo:monarquias constitucionais,impérios em busca de legitimação e Reinados.
Diante disto o republicanismo moderno,diferentemente do antigo,apresentou outras razões para a sua rejeição.E avulta em importância  a atitude tomada por George Washington nos Estados Unidos nascentes,que recusou a coroa que lhe fora oferecida,por achar que não era função dos políticos determinar como as famílias individualmente deveriam ser dirigidas,no que é um fundamento do individualismo liberal anglo-saxônico(inspirado em Locke).Ninguém deve se intrometer na vida privada.
Os republicanos clássicos do continente europeu,absorveram estas idéias mais ou menos,de acordo com outras preocupações,mas de modo geral perceberam que a ingerência política das monarquias nas famílias suplantava o seu propalado papel cultural,espiritual(religioso)ou pedagógico.
Ainda que o Marquês de Sade tenha acusado o republicanismo de fazer o mesmo que as monarquias ,se impondo  pela mediação do público(que diluiria os indivíduos[ver a análise de Claude Lefort sobre Sade  “ Franceses mais um esforço se quereis ser republicanos”,in “ Escola de Libertinagem”])a verdade é que(não contradizendo Sade)a República moderna dialoga e se dissocia como uma gangorra com a distinção público e privado,trazido pelo capitalismo e a religião protestante.
Estas suas hesitações favorecem a continuidade da monarquia.A república deixa os cidadãos ao léu ;então um monarca é alguém mais visível a quem podemos pedir conselho e com quem podemos dialogar.
Se por um lado a distinção público e privado cria problemas,como a  invasão pelo público do privado,pelo mercado da mídia,pelo capitalismo,dialeticamente falando,oferece oportunidades de  proteção do privado,pelo direito,que nem o republicanismo moderno nem o socialismo(modalidade de ultra-repubicanismo[Sade de novo]) sabem utilizar como deveriam.
Esta é uma das razões pelas quais a monarquia continua em muitos lugares e é proposta ainda,como acontece aqui no Brasil,em que algumas direitas defendem a volta dos Bragança.O monarca é alguém mais visível e presente.
Esta luta é a de duas narrativas,duas relações com o mercado capitalista e as necessidades culturais e espirituais do povo.Quando eu estudava Direito,fiquei chocado ao ler em Paulo Bonavides o conceito de “ monarquia republicana”,mas depois percebi que ele tinha razão em achar algumas monarquias mais republicanas de fato do que certas repúblicas.A república brasileira,como os sociólogos mostram,tem mais pé na monarquia,na necessidade de um “ pai” que ouça o povo,do que nela, indistinta e indiferente (mais afeita ao Marquês de Sade)como é.O Brasil é como dizia Rousseau no “ Contrato Social”,um “ povo tutelado”(precisa[ainda]de tutela).
Acima de tudo o evento de mídia emprega milhares de pessoas que cotidianamente acompanham os atos dos monarcas ,como o casamento do Princípe Harry.Neste diálogo  com o povo,busca-se um termo de união com a casa real e os seus conceitos morais,mantendo-a no trono.
Esta é a explicação do escândalo do Duque de Windsor na década de 30:naquele tempo era impensável que alguém não quisesse ser Rei;que fosse mais importante se casar com a pessoa amada,cuja relação não tinha nenhum estatuto de definitiva.Era como uma  confirmação distorcida do conto de fadas.O reconhecimento do papel igualmente importante do privado sobre a cena pública.Em nome de um amor definitivo vale a pena perder poder sobre todos.Mas,por trás havia a visão medieval de que os indivíduos,os cidadãos não contam,mas sua posição social.Os nazistas ,que preconizavam o valor individual da raça,eram mais modernos e republicanos que muitos ainda hoje.Afirma-se que o Duque era neonazista e chegou a ser recebido por Hitler.Se Hitler dominasse a Inglaterra,segundo suas palavras,manteria a coroa e o colocaria de novo no trono,associando-o mais fortemente à soberania real do povo(não à família[à raça]).
Os Windsor souberam administrar esta crise fazendo exatamente este discurso de diálogo e de reconhecimento de novos valores.Isto põe diante de nós alguns problemas decisivos:este equilíbrio é legitimo,eterno?Porque tem tanta difusão?
A segunda pergunta eu já parcialmente respondi,mas falta dizer que  a casa real inglesa sintetiza todo um complexo cultural que vem desde a Idade Média e que é aceito pela maioria dos povos ocidentais.Casamento dos filhos,” macho e fêmea os gerou”,coesão social,acima da democracia e dos problemas sociais a solucionar e muitas outras questões.
A primeira pergunta eu respondo com o artigo todo,já que é tudo uma questão política de legitimação de interesses específicos.Mas o certo é sepultar essa idéia antiquada.
Há nesta luta de republicanos e monarquistas,que o positivismo erradamente pensou superada,uma luta para ir além de  uma época ,de valores  que não deviam ser mais importantes do que a individualidade expressa em cidadania.A cidadania,como valor igualitário,político e jurídico,se expressa melhor na república e tem que ser destinação do homem moderno,porque   na monarquia o monarca é erradamente identificado à nação.Ser súdito ou vassalo de um monarca implica em se sacrificar por ele ou pela nação?Na verdade não há diferença,pois o monarca é a nação,numa mistura que seria tida como totalitária em outros lugares,notadamente republicanos.A proposta é defender a nação na figura do rei,mas no fundo é preservar tais interesses personalíssimos.
Logo depois da abdicação do Duque de Windsor a grande questão da casa real britânica foi ,em plena 2a   Guerra Mundial,saber se a herdeira do trono ,a futura Elizabeth II,poderia dela participar,arriscando a  vida,como se outro não pudesse substituí-la(como se Harry não fosse igual ao seu irmão primogênito).
Quantos problemas não teriam sido evitados se o rei Ludwig II da Baviera tivesse o direito de abdicar em favor dos seus amores  homoafetivos?Quantos problemas surgiriam se a Lady Di tivesse  aceitado o esquema hipócrita da casa real,que obriga as pessoas a deixarem os seus desejos pessoais em nome da “coisa pública”(o privado transmudado em público),como se não fosse esta responsabilidade de todos e não de um só?
Apesar de todas as justificativas a monarquia falseia   a verdade óbvia de que ninguém precisa ser vassalo  para se sacrificar por seu país,já que  qualquer um é capaz,hoje, de entender o valor intrínseco  de sua cidadania e a necessidade de sua proteção.As guerras só são validas para proteger este direito decisório comum(republicano).As monarquias funcionam ainda com um pressuposto irreal de que algumas pessoas são providenciais.Como se um casamento público induzisse de fato a um comportamento melhor ou pior na vida privada e íntima das pessoas.Tal modelação é uma via direta e indireta de repressão e serve de propaganda a um país que vive desde a 2ª Guerra entre o isolamento (brexit)e a dependência dos Estados Unidos.Numa simbiose perversa do passado com o capitalismo,que gera empregos para tablóides nojentos e televisões sem assunto,reproduz-se uma narrativa vazia e distorcida que mantém a hegemonia de um interesse privado sobre o público,com a anuência deste último,que se deixa estuprar.
Numa atitude mais moderna e crítica ,quem tem uma visão republicana concreta(como eu modestamente)deve compreender que o republicanismo tem que prevalecer,para que prevaleça a verdade dos fatos,não o conto de fadas:que um casamento como este sobrevive em função de muitos elementos materiais,como a riqueza,para além do desejo e  do Amor;que  não têm correspondência no dia-a-dia real.
Eu olho estes fatos (não vi o casamento pelo amor de Deus!Estava fazendo outra coisa[também só vejo ocasionalmente programas policiais])para entender como o mundo funciona e ter condições de mudá-lo.Eu faço como Gramsci,na sua concepção de Ideologia e  de Deus:Deus pode não existir objetivamente,mas existe como  valor,psicologia,significado,na consciência de quem acredita nele(para o bem e para o mal).Ajo como Gramsci,mas no sentido de ir até onde eu devo conhecer a realidade,nos seus limites.
No Brasil a monarquia era tida como fadada ao fenecimento,porque aquilo que o Imperador fazia a República poderia fazer do mesmo jeito.Por isto sou  republicano e parlamentarista:se existe a necessidade de uma figura que ouça o povo,que seja mais visível,um presidente no parlamentarismo,como chefe da nação,distinto do chefe do executivo,ocupa um lugar idêntico e até melhor.Esta distinção formal educa,de plano.
No Reino Unido ,deste jeito,o fim da monarquia e da Idade Média  só vai acontecer quando um herdeiro for homoafetivo e quiser se casar com seu parceiro.







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