domingo, 8 de abril de 2018

Esquerda e Corrupção


É um mote  bem batido  e verdadeiro que a corrupção tira dinheiro do povo,do pobre,do excluído.Então  porque a esquerda também se corrompe?No artigo anterior eu aventei algumas hipóteses para explicá-lo ,as quais,muitas são,para mim,provadas,como eu disse lá.
Às vezes,não raro,o pobre não tem outra alternativa senão se corromper para subir,mesmo porquê ninguém lhe dá a mínima chance.Isto não é uma lei absoluta.Criminosos ligados ao tráfico manipulam fortunas imensas.Um fuzil moderno custa 60 mil reais,o suficiente para viver bem por meses.Contudo a lógica da máfia prevalece:é difícil sair e ,às vezes,não raro,não há outra opção senão entrar.Isto tudo tem que ser analisado.
O criminoso deve possuir chances como todo ser humano,mas o limite da vontade de delinqüir tem que ser distinguido pelo militante que quer lutar para solucionar a questão social,onde o crime se forma e está localizado.Há uma diferença entre a pessoa pobre de bem e o pobre que envereda pelo crime.
Ocorre que,na perspectiva rousseauista  de localizar  a causa na sociedade,esta “ decisão” individual de delinqüir  acaba por se constituir numa zona “ obscura”,” cinzenta”,que aguça a tentação da vanguarda de esquerda militante.
De um lado este militante sofreu a tentação de delinqüir;de outro, a “causa “ parece” diluir a culpa ou inocentar de pronto.Por não ter alternativa o delinqüente não é senão uma mera repercussão da omissão da sociedade,a verdadeira responsável.E aí a tentação cresce com a culpabilização de pessoas que não têm possibilidade real de intervir,embora pague altos tributos ao governo.
Isto mudou um pouco hoje em dia,mas não muito.Com variações se vê que tal comportamento “ ambíguo” continua e nós vemos acontecer na relação da esquerda com o poder de estado,no que é um prosseguimento da tradição de esquerda,ainda que ela defenda direitos humanos e outros direitos.A sua relação com o direito é instrumental,como a da burguesia.A visão de classes faz do direito uma mera ferramenta de transformação social que,se alcançada,prescindirá dele.Quer dizer ,desde Marx e Engels e outras correntes,o direito é visto como uma forma de “ mascaramento da exploração”.A comunidade universal de Kant seria mera forma ,cuja superação,pelo conteúdo real da sociedade,era o objetivo da “ revolução”(este tipo de raciocínio tem o reflexo e cristalização suprema no prefácio de 1857 que eu continuo analisando no meu blog A Ponte).A utopia,para esta tradição,só existe sem o direito.
Esta ingenuidade constrói argumentos do tipo “ A escravidão foi instituída por uma lei”;as “tributações feudais também”,logo a lei é sempre contra o povo oprimido.Ninguém se refere ao fato de que abolição foi uma lei e que o feudalismo foi destruído por uma nova legislação.Presa ao critério ortodoxo de luta de classes(só como ruptura)a tradição de esquerda acha que o direito só tem valor dentro desta luta:se a burguesia,às vezes,não raro,usa a lei para predominar,a esquerda faz o mesmo(pensando agir diferentemente dela).É uma aplicação ao direito dos critérios políticos oportunistas de Lênin quanto à democracia e ao legislativo,que ele mostrou em seu livro “ Esquerdismo, a doença infantil do esquerdismo”.O parlamento,assim como o direito(eu estou dizendo) são meras referências táticas para o alcance da utopia(da utopia dele).
Mas a norma é uma inexorabilidade humana.Marx e o marxismo são obsessivamente estatocráticos(contraditoriamente):só há direito com o estado,mas a palavra direito é polissêmica,indicando que seu significado é mais amplo,sobre o que  é certo e errado,para além da vontade(de mudar[de fazer a utopia]).O 68,com a sociedade alternativa,demonstrou que o direito natural não viceja,porque tudo daria certo se não houvesse necessidade de norma,se todos fizessem,como era de seu projeto,o que bem entendessem(curiosamente há uma relação entre Marx e a contracultura...).
A norma inere à humanidade.Antes da civilização era a norma religiosa que despontava,mas depois,com a criação do direito, a norma,como fenômeno social se forma  e talvez,na utopia,a norma ligada diretamente ao fenômeno social é que se produza.
O certo e o errado são sempre procurados,como uma exigência da convivência humana.Transcendem às épocas históricas.
Submetendo-a ao crivo da conveniência da luta de classes a esquerda se iguala à burguesia,criando um modelo que não atende aos interesses da sociedade e da humanidade,mas aos seus.E aí a falta de fundamento real cria as “ ambigüidades”:a vontade do criminoso passa a ter legitimidade no processo da luta(de classes).
Por estes motivos a admissão da corrupção como parte natural da política está presente também na esquerda,que cria modos transversos de justificação da prática,coisa que foi revelada por Marieta Severo,no programa do Faustão no ano passado:vale a pena se corromper se há inclusão(se é que há),que eu chamei de versão vermelha do famoso conceito de Ademar de Barros(burguesia):” rouba mas faz”.É uma ética Robin Hood muito chinfrim que é parte do desespero de quem está excluído,o desejo de legitimar(legítima defesa social)a luta pela superação do sofrimento.Mas toda a corrupção é contra ele.
O socialismo( e o comunismo)é uma proposta de solidarização,apesar de tudo,de todas as dificuldades.A esquerda deve evitar a corrupção ajudando ,de alguma forma,pela solidariedade,aquele que está na miséria.A inclusão do desvio da corrupção não tem a ver com os melhores auspícios práticos do socialismo(e do comunismo),sendo só uma cópia do modelo comportamental da pior burguesia.

Nenhum comentário:

Postar um comentário