sexta-feira, 25 de março de 2016

Jango e Dilma são coisas diferentes



É preciso que se entenda o que está acontecendo com a esquerda brasileira,principalmente quando a maior parte dela é pivô de uma crise moral até então só atribuível(por ela própria)às elites.
Toda a história recente da esquerda brasileira,após a volta do exílio ,foi no sentido de fazer uma religação com o governo Jango.Mas é preciso,repito,saber porque a esquerda entende ser isto necessário.
O esquema teórico/ideológico da esquerda brasileira,até 64 razoavelmente unificada no PCB,era calcado(e  em parte ainda é,como vou mostrar)no que ocorreu na revolução russa.O pensamento de Lênin servia de base para este esquema:tratava-se de  ajudar no desenvolvimento das forças produtivas capitalistas na Rússia,para a partir delas dar o salto ,tomar o poder e conduzir ao socialismo e ao comunismo.
É com esta base que Prestes diz no dia 25 de março,aniversário de fundação do PCB,na ABI,que todos estavam aguardando a decisão do Presidente Jango em liderar a revolução que estava em curso.
Jango era o aprofundamento das contradições capitalistas que permitiriam a revolução seguinte,socialista e comunista.Foi o que se viu poucos dias depois...
O fracasso desta visão gerou uma discussão de mais de trinta anos e a conclusão média da esquerda é que as condições não estavam dadas para uma revolução superior,socialista e comunista.
Esta conclusão é na verdade um verdadeiro placebo ideológico,pois que permite que os teóricos de hoje e sempre joguem com a mesma esperança que tinham em 64:não havia condições naquele período ,mas agora há.
A esquerda brasileira ,em todas as correntes,foi sempre assim:fala em democracia ,em legalidade,mas se o cavalo passar encilhado,ela monta.Foi sempre assim.
Como eu já disse em outro artigo(PT Partido híbrido) o PT parecia ser uma modificação mais radical e mais próxima da modernidade deste esquema e o seu nome trabalhadores indicava que por trabalhadores entendia-se não só o operário tradicional,mas outras camadas da população,como a classe média.Para dentro do PT convergiram todos os setores da esquerda,com exceção de alguns.Mas de modo geral a relação com o PT era a mesma que tivera com o PTB de Getúlio.Era o caso de ficar próximo das massas para conduzi-las à revolução,a revolução real,de fato.
Durante muitos anos a hegemonia da interpretação marxista diluiu o significado da revolução de trinta,mas era exatamente porque os comunistas não admitiam outra revolução que não fosse a deles.Interpretaram como se o fato tivesse sido apenas um rearranjo das classes altas,mas há que  ressaltar que houve por parte destas o reconhecimento da questão social e da presença da classe operária,que viria  a ter o seu partido em 1945.É uma outra questão,que eu quero colocar em outro artigo,mas eu tenho dúvidas se não se pode chamar 30 de revolução.
O presidente Jango é um momento decisivo deste processo,na medida em que ele não só reconhece a  questão social mas admite negociar em termos de igualdade com as classes trabalhadoras,condição histórica essencial para se fazer um projeto nacional,que é a condição de progresso  material e social de um país,pelo menos dentro de uma perspectiva democrática,de baixo para cima.
O que os comunistas brasileiros nunca entenderam(Lênin também)é que existem pré-condições para um revolução comunista ,que deriva,segundo Marx, de um regime capitalista avançado.Um regime capitalista avançado é aquele que possui uma sociedade civil com uma concepção democrática bem estabelecida,um termo de isonomia política;é,em termos organizacionais,um regime que possui os fundamentos básicos de uma nação atualizados,saúde,educação,economia;é aquele que tem uma mínima identidade cultural.Não é apenas organização de trabalhadores.Não é o incremento puro e simples das forças produtivas,mas forças produtivas totais e plenas,segundo a capacidade nacional.
O PT nasceu numa época em que se falava muito de Gramsci e da sua concepção sobre a “ via ocidental “ao socialismo.
Em 1984 eu montei um curso sobre Gramsci no sindicato dos professores,com Carlos Nelson Coutinho e este,usando um livro de   Luciano Gruppi, afirmou que a concepção hegemônica  de cerco ao capitalismo de Gramsci já estava ultrapassada e que  maioria do PCI já não era mais comunista exatamente por causa desta conclusão.A concepção de hegemonia de Gramsci não servia mais ao propósito de superar o capitalismo,porque isto já não era possível,nem desejável.Mas por trás destas conclusões havia a convicção de que não era  mais possível  pensar em termos de uma revolução de classe,baseada numa classe,porque todas as classes estavam imbricadas no plano nacional e construir uma hegemonia deste tipo era impossível  a sua  imposição conduziria a uma ditadura.
Marx dizia no Capital que as classes responsáveis pela dinâmica produtiva do capitalismo eram a burguesia e o proletariado.Existiam outras classes  e ele põe no mesmo pé,o professor,a prostituta,o advogado e assim sucessivamente.É  óbvio que nesta igualação há um quê de sarcasmo,mas para os devidos fins   ela vale como afirmação de parasitismo quanto a estas classes não-produtivas.
O que ele não viu é que as classes médias,que cresceram progressivamente,passam a jogar um papel produtivo cada vez  maior.O professor participa do processo capitalista de produção na medida em que ele ensina ao operário,que passa ser mais bem remunerado(atuando contra a acumulação primitiva).Os advogados ao atuarem em nome do povo ajudam-no a ganhar dinheiro,coisa que  terá função decisiva na arrecadação de um estado moderno ampliado,como definiu Gramsci.
Esta história,pois,que o agentes da sociedade civil ligados ao PT propagam de que a classe média é uma ficção,não tem nada a ver com  a origem do PT e com o mundo moderno.E alguns que dizem esta besteira são de classe média!!
O PT mudou completamente depois da segunda derrota.Aceitou as regras do jogo achando que podia manter as suas bases ideológicas,históricas e teóricas,mas a necessidade política ,eleitoral ,de legitimação econtinuidade puseram ,como sempre, a sua concepção de esquerda por água abaixo.Sempre foi assim.
Quando os bolcheviques chegaram ao poder com as concepções de Lênin,que privilegiava erradamente(segundo o marxismo)o campesinato,a dificuldade de permanecer no poder gerou o totalitarismo de Stalin.Stalin pretendeu seguir esta concepção apoiando-se supostamente nos camponeses de uma forma sutil e original:matando parte deles.E na relação com  a classe média,manipulou no sentido de garantir a defesa ideológica do regime , reprimindo simultâneamente os seus  anseios de liberdade.
Mao-Tsé—Tung,o guru de Stédile,ampliou estes instrumentos, mas inovou na relação com a classe média.Quando quis catalisar em  tono de si o seu país a quem culpou e reprimiu?A classe média,segundo ele,elites velhas que deveriam ser reeducadas e extirpadas.esta é base da sua “ Revolução Cultural”que não foi outra coisa que um golpe contra os que queriam tirá-lo do poder,depois do fracasso do “ grande salto para a frente”
Esta é a origem de Pol Pot e é a destes discursos idiotas do PT que dão conta de que a classe média pertence às elites exploradoras.O pragmatismo político do PT  o levou de Gramsci a  Pol Pot e  ele ainda se acha moderno!!
Para ter uma união em torno de si,de Dilma e Lula,o PT culpa as elites,ou seja,a classe média.As elites representadas pelos banqueiros não.Joaquim Barboza foi posto por Dilma e o ganho da classe operária foi o de ter acesso a empréstimos,que a colocou no mesmo patamar de endividamento da classe média;estes empréstimos permitiram o rolezinho ,alçado à condição de vitória estrutural dos operários,que continuam  excluídos mas podem comprar roupa de grife(a prestação).Mesmo raciocínio de Hitler ao fazer o wolkswagen...
Então não há similitude hoje(antes talvez)entre a crise do governo PT e Jango.Não é um embate entre direita e esquerda não,como não era no tempo de Jango.É só uma crise de governo e das instituições que estão defasadas.
No tempo de Jango havia a possibilidade de um projeto nacional,que gorou exatamente porque o Presidente Jango sucumbiu a este radicalismo de classe que só jogou água no moinho da reação.Eu adoro,como tenho dito aqui,o Presidente Jango,mas ele atribuía importância demais aos comunistas.Se ele se queixava do radicalismo nacionalista de Brizola,porque confiava mais na esquerda comunista,igualmente radical?
Pelo estudo que tenho realizado sobre 64 fica claro que Jango só conseguiu voltar ao presidencialismo porque foi obrigado a admitir a direita no setor econômico do seu governo.O que ele tinha que fazer quando recuperou os seus plenos poderes era progressivamente substituir este setor por nacionalistas moderados,espanando todos o radicais.
Conta-se que no dia 31 de março de 64 o general Kruel teria posto diante de Jango a possibilidade de mantê-lo no poder se  se livrasse dos comunistas e dos sindicatos,mas o Presidente Jango,pessoa honesta e leal  como era, não ia abandonar os seus amigos.Contudo os comunistas,os radicais,não tinham representação política que justificasse uma presença no governo tão forte e por decisão pessoal do Presidente.Esta desproporção justificou a agitação da direita diante do pânico da classe média.
A reforma agrária no Brasil não anda por causa de uma situação semelhante a esta:o MST acha,contra toda a discussão na esquerda,de mais de quarenta anos,que o modelo da reforma no campo é o pensamento de Mao e diante desta besteira(porque o Brasil não é a China)é fácil para a direita usar este espantalho e toda vez que um governo quer aprofundar o projeto toda a sociedade se apavora e não apóia esta mudança fundamental para o nosso país.
Eu comparei ,em  determinado momento,as duas crises,a de 64 e a de agora,mas só em termos de um governo de esquerda isolado e fraco e  uma oposição cada vez  maior,mas pàra por aí.
Em 64 havia uma visão de nação,hoje é o recrudescimento de uma visão hegemônica que esconde a má compreensão da realidade e oculta interesses anti-nacionais,de classe,que serve também a propósitos imediatistas e eleitoreiros.
O ministro,agora advogado geral da união,José Eduardo Cardozo,disse há duas semanas que havia nas passeatas pró-Dilma pessoas de classe média,porque ele sabe  que esta visão de classe é ruim,mas nos de baixo e por falta de liderança da direção do PT e interesse eleitoral predominam os discursos de classe,de ódio,acusando as elites de não quererem  ascensão dos pobres no Brasil,um discurso perigoso e  típico de POL POT.
A hegemonia acabou,agora é  a nação.

Nenhum comentário:

Postar um comentário