Volto aqui para
tratar de Macunaima e
Mário de Andrade.É claro
que ,sendo o
modernismo paulista financiado pela plutocracia paulista a
imagem de Macunaima como “herói sem
nenhum cacráter”,que nós já
explicamos,serve
possivelmente a um propósito desta burguesia industrial nascente e crescente
de justificar um projeto nacional novo(com
base na indústria[que atingiu o
seu auge em São Paulo na
década de 20])sob a sua liderança.
Paulo Prado
teve um papel
decisivo neste acontecimento.Paulo Prado
é autor do
livro clássico “ As
três raças tristes”,sobre o
qual falaremos mais
adiante.
Tanto este
seu trabalho,como esta
vinculação com o modernismo
expressam aquele desejo desta
nova burguesia de liderar um
novo processo.Este processo
é progressista,mas num
capitalismo atrasado como
o do Brasil
e que eu caracterizei
no artigo anterior, pode-se
seguir o mesmo
caminho de outras paragens e
reproduzir ,dentro do
progresso material e
institucional do país ,as mesmas
situações de exploração e
concentração de renda ocorridas em
outros países que fizeram
este caminho,sem uma sociedade
civil previamente desenvolvida(como
na Inglaterra e nos Estados Unidos).
O que
se dá com
Macunaima é parecido com
o Jeca Tatu de
Monteiro Lobato.Este escritor
paga um preço alto
até hoje por
querer,dentro dos seus limites de tempo,mostrar o
atraso(científico e
educacional )do Brasil
com um personagem
que seria padrão,
o Jeca Tatu ,tão descuidado
de si que
estaria fadado novamente
a ser dominado ou
excluido para sempre.
A acusação feita a Monteiro
se repete,às vezes,com
Macunaima,embora bem menos
e tais personagens
e suas reações
contrárias servem de
baliza para discussões
nos dias de
hoje.
A questão
é saber se
em nome do
progresso é justo
expor as mazelas
sociais e culturais
do Brasil deixando-o
enfraquecido ,quiçá,diante de
outras nações,que querem nos
dominar e manipular.
Existe no
cotidiano brasileiro esta
criteriologia.Não criticar o Brasil
diante dos estrangeiros,mas a intenção deste escritores era
colocar um espelho diante do povo
brasileiro.
Só se
modifica a realidade,coletiva ou individual, quando
este espelho da verdade
é reconhecido por
quem se questiona.Não se muda
na base das
ilusões,nem na ciência
,nem na vida.
Mais sério
é que numa
época de racismos, estas a firmações podem ser
cooptadas por concepções
que nos maculem ,em
definitivo,com a pecha de “
incorrigivelmente atrasados”.
Quando o
Brasil saiu daqui
para ser campeão de futebol na
Suécia em 1958,todo o time era
praticamente branco e europeu.Hoje se nega
isto,mas quem viveu aquilo
sabe que a negativa de
colocar Pelé e Garrincha era
extamente por causa
do racismo,da idéia de que
eles não estavam preparados para
ganhar e enfrentar o
mundo.E mesmo Didi,quase foi
descartado logo depois
das Eliminatórias,em 1957.
Como a
culpa de
50 fora posta em Bigode
e Barbosa,era preciso colocar
jogadores com outra
configuração genética e social.
Não s iludam que o
problema continua aí.Garrincha
é o Macunaíma do futebol
e Mazzaroppi é o
Jeca,mas um Jeca critico,porque demonstra
que apesar de todas
as insuficiências atribuidas
a ele pelos escritores e cientistas
ele tem imaginação e
modos de superar as
limitações e sobreviver e
produzir cultura.
Nos Estados
Unidos polêmica igual atingiu
o (grande)escritor Mark
Twain em seu extraordinário “ As
aventuras de Huckleberry Finn”,que
muitos,como eu,consideram um
livro comparável à “Odisséia”
de Homero.Certamente é a Odisséia dos
Estados Unidos.
Um menino
abandonado(mas safo)no Mississipi,encontra um escravo
fugido , Jim,o qual lhe ensina
muitas coisas(como se livrar de cobras[como sobreviver
na mata]{nadar no rio}).Quando Huckleberry
é encontrado todos
o instam a
denunciar e entregar Jim,mas ele
escolhe a felicidade
de ter tido um
amigo como Jim
e se nega,sendo este um
dos grandes momentos
da literatura universal.
Mas o
movimento negro dos Estados Unidos
implicou com o fato
de Twain
usar constantemente no livro
o termo pejorativo “Nigger”,para
designar Jim,sem considerar
as coordenadas de tempo
e lugar do escritor.
Todos estes
exemplos nos ajudam
a entender estas
relações de classe,que
são essenciais para a construção de um projeto
de nação e de
uma nação.
Tenho
certeza de que
nehum dos escritores
citados revelou a verdade
sobre os problemas dos
povos de seus
países com a intenção de justificar posturas
racistas,de classe,de
dominação ou império.
Eles queriam
mover a sociedade
e isto só é possível
admitindo,com o espelho na
mão,o que aparece
lá.
Macunaima é deste jaez.O
livro não é
muito consentâneo com o
filme,porque Joaquim Pedro de Andrade o
misturou com Oswald,com a
verve e o humor de
Oswald de Andrade.O
livro mais afeito a
Paulo Prado.
Para este escritor
o Brasil foi
constituido pelas três
raças tristes da humanidade,uma tese
para lá de discutível
e que eu rejeito,exceto num ponto:que esta alegria do
brasileiro é para esquecer e
reprimir o sofrimento do
dia-a-dia.