terça-feira, 7 de abril de 2015

A Praça é do povo como o céu é do condor

 

O  que  de  pior  podia  acontecer  neste  processo de  ascensão  dos  negros  no  Brasil  através  do  sistema  de  cotas,que  antes  eu  não  defendia  mas  passei a  defender,acontece  agora  no  Brasil.
Acabo de  assistir  por  estes  dias  um  documentário  na  Tv  Escola(Tv  escola!)  feito  por  um  dos  setores  do  movimento  negro,fazendo  considerações  sobre  a  legitimidade e  honestidade  do  abolicionismo  de  poetas  brasileiros  do  século XIX,entre  eles,o  meu extraordinário  Castro Alves,que  me  ensinou  a  gostar e a respeitar  a  raça  negra.
Mexer  com  Castro  Alves ,com a sua  honestidade, é  mexer  comigo.
Existe    muito  um  pensamento  segundo  o  qual  o  sofrimento  alheio  não  interessa,lá  no  íntimo,a   ninguém.No  fundo,no  fundo ,a  humanidade  seria  como  Nelson  Rodrigues  retratou  na  peça  “ Bonitinha  ,mas  ordinária” ou  Otto  Lara  Resende,na  qual  é citada  uma  frase  atribuída  a este  último  que  designaria  como  são  os  homens  de  fato:” mineiro    é  solidário  no  câncer”,um  plágio  do  Otto  ou de  Nelson  de  frase  mais  antiga:” pimenta  nos  olhos  dos outros é  refresco”.
Também, há  muito  tempo os  militantes  de esquerda  acusavam  as  formas  de  assistencialismo  do  welfare  state,que  são  usadas  hoje  por  eles  mesmos,inclusive  no  Brasil,como  “ chás  de  caridade”,que    tinham  com o  objetivo  desviar  a  atenção  dos  oprimidos  dos  seus  verdadeiros  problemas  e  levá-los a não  fazer  a  revolução  ,que  era o  caminho  absolutamente  certo de  libertação,tinham    esta  certeza.
Serviço  social,assistencialismo , eram  discursos  desonestos  provindos  de  cínicos.
A  piedade  pelo  sofrimento  de Cristo  na  cruz  é  desonesto,e  sim  uma  forma  de  autopromoção  de  quem a  revela.Compaixão  é  um  sentimento  inevitavelmente  falso,porque  ninguém  de  fato  sofre ,quando  não  está  no  lugar  do  outro.
É  este  conceito  central de “ O  Anticristo”  de Nietszche  que o  atou,de modo  até  certo  ponto  justo,a  meu  ver,com o  nazismo.A  compaixão  diminui a  potência,a  afirmatividade,o  perspectivismo.
Mas  quando  vemos  o  martírio  dos  militantes  que  morreram  sob  tortura,em  nome  do  povo  brasileiro,que  não  estava  nem    para  eles e  também  os  relatos  de  martírios  nas  religiões,nós  vemos  que  é  difícil  dizer  quem é  realmente  cínico.
É no  caminho  entre a  compaixão  e  o  que  sofre  que  podemos e  devemos  estabelecer  critérios  éticos  para este  sentimento e  conceito.
O  exemplo  que  eu  trago  é  de meu  extraordinário  Castro  Alves.Agora parte   do  movimento  negro  afirma que  a  sua atitude  não é  legítima,porque  o  seu  sofrimento  não é igual  ao  dos  negros  na senzala  e  que  em  face  disto  ele    conseguiu  atrair  para  si  todo  o mérito  da  libertação,que  era    do  movimento  dos  escravos.
Esta  é  a razão  porque preferem  Zumbi  dos  Palmares.
É  aquele  velho problema  de  o  oprimido  querer demonstrar  que  ele  é  capaz ,por   si  mesmo,de  se  libertar,não  precisando  de ninguém.A  aceitação  de Castro  Alves,bem  como de  outros,manteria  ,depois  da  abolição,o escravo  como  um  ser  tutelável,já  que  precisou  do apoio,  inclusive  dos seus  opressores,para  sair  de  sua adversidade.
Isto tudo  é  fruto  de  má-fé  e  de ignorância.Todo  mundo  que lê  História  sabe  que o  Maio de  1888  não  foi  uma  concessão,mas resultou também  do esforço  quilombola  dos  negros,que  com  suas ações  inviabilizava o  modelo econômico e  demonstrava a  desumanidade  do  sistema.
Eu    falei  em  outros  artigos  mas  repito    aqui:o  fato de uma  campanha  política  se  desenvolver  dentro  de  uma  colaboração  entre  classes  ou  adversários pode ou  não  resolver de vez  a  questão  e/ou  deixar para o  futuro  seqüelas  terríveis.
Alguns  exemplos:a  transição  na África  do Sul  foi  pacífica e  não  deixou  seqüelas;a  transição no  Congo  deixou uma  guerra.A  abolição  nos  Estados Unidos  causou  violências,aqui  no  Brasil  aparentemente não,mas  de  qualquer modo  consagrou  a exclusão  do  negro  liberto.
Todos  estes exemplos  e  outros  são  legítimos  segundo a perspectiva  de  que  é  preciso  fazer  transições  pacíficas  e  garantir  a  paz  no  futuro ,o  que    favorece  aquilo  que  de bom  existe  nestas transições.Nem  sempre  isto é possível,mas    que  se  procurar.
O  reconhecimento  de  parte da raça  branca  brasileira  da  necessidade e justeza  da  abolição  diminuiu a  possibilidade de  guerra,violência  e  conflito.Não    que perguntar  que  se  a  solução  viesse  com  uma  revolução violenta ,como  ocorreu  no  Haiti,seria  melhor.O  Haiti  se  tornou um  país  pobre,mesmo  usando a  violência.Não existe  um  princípio  absoluto  em  política.E  existem  muitos  fatores  em  jogo  para  dizer  que  a  dicotomia  violência/não  violência  resolve,exceto  pelo  fato de que  menos  pessoas,inclusive  inocentes  ,são  sacrificadas  nestes  casos,um  valor  exigível.
Os  mesmos  padrões  éticos têm  que  ser  levantados  no  caso  da compaixão,da  legitimidade  da poesia  condoreira  de  Castro  Alves.O  que prova  que  a sua atitude  era  desonesta  e    concorria  para  promover o  seu nome?Não acredito que  alguém faça  alguma  coisa  de tão  valor  como  aquelas  poesias só  por  interesse  cínico  de  aparecer.
 meios  de  provar  a  legitimidade da  compaixão  que um ser  humano   tem pelo outro.Um  circulo  ético necessário  e altruístico.Vou  tentar  construí-lo  no  próximo  artigo.

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