Diante dos
fatos ocorridos na
França ,que ferem
o conceito que temos
de liberdade,mudei a minha
programação para hoje
e resolvi tratar deste
assunto.Aliás quero fazer
um artigo há
bastante tempo,motivado que fui
pela frase, de muitos
anos atrás, de
Berlusconni,que disse que a democracia
ocidental era superior.
Apesar da
ojeriza pelo personagem,na
época eu tive
que concordar com ele e quando,em muitos
lugares eu a defendi ,fui taxado de
nazista,por considerar-me moralmente
superior ao mundo
muçulmano.
Prosper Merimèe,o
auto de “ Carmen”,no século XIX,em
seu prefácio ao seu
livro “ Crônica do
Reinado de Carlos IX”( o
da noite de São
Bartolomeu),alertava aos europeus
quanto ao fato de julgarem os turcos,os
orientais e sarracenos ,
segundo os seus
valores e finalizava dizendo
que o que pode
parecer justo para nós não o
é para os outros.
Por este
princípio é normal aceitar torturas numa
sociedade mesmo que para
nós não seja
admissível como direito
humano.
A problemática
dos direitos humanos
universais surge,como
sabemos,na conjuntura da
Revolução Francesa,que criou uma “ comunidade universal humana”
com a “declaração dos direitos
do homem e do
cidadão”.
Kant foi
o grande teorizador
desta comunidade universal em filosofia,estabelecendo-lhe os
fundamentos ,segundo os
quais seriam válidos
para todos os homens.Lembremos também a
Declaração de Independência
dos Estados Unidos,” Nós
o povo acreditamos
que os homens
foram dotados pelo criador...”todos os
homens,não só os
americanos.
A realidade,como sabemos, também
não é assim ,porque muitos
povos reinvidicam direitos que
nada têm a ver com esta
comunidade e usam inclusive
o direito democrático
de pensar diferente para julgar e
condenar mulheres adúlteras ou
proibir partidos laicos em
sociedades teocráticas.
Eu não
vou repetir aqui as
inúmeras discussões que
fazemos na universidade sobre
as balizas pensamentais de Kant,mas
com base nestes pródromos
eu quero emitir a
minha opinião sobre
o atentado de ontem
em Paris.
Se eu
fosse uma mulher
eu poderia me
enganar e casar
com Berlusconi ,mas teria
a chance de,pelo divórcio,me
separar(rapidamente)dele.Se eu
fosse uma mulher muçulmana eu seria condenada
à morte ,a
menos que fosse
tentar a vida na
periferia de Paris,casando com um homem que
vivesse lá.
Deixemos de
conversa fiada ,esta é
a realidade do
termo liberdade, para além
das discussões complexas.
Eu não acho
certo exibir na hora do
jantar a famosa
fellatio de “ Caligula”,mas
na madrugada sim.
Nos dias
que correm em que não há
argumentos,mas só imagens,isto é,quem aparece na mídia
é que é importante,e não quem
tem conteúdo,se alguém é
mostrado, todos devem
ter o direito
de sê-lo também.Sem
pré-condições eu quero
dizer.
Uma eleição
às vezes é ganha
só porque alguém
aparece neste ou
naquele veículo de mídia.Eu quero ter
os mesmos direitos.
Não é admissível , por eu
ser de um pensamento
diferente da religião
muçulmana,eu entrar na
casa de um crente para
roubar a mulher
dele ou fazer outra coisa
contra os seus princípios.
Mas nós sabemos
que o princípio da liberdade
radica no indivíduo e este
tem opiniões divergentes
quanto a qualquer assunto.Em
qualquer regime,em qualquer
religião ou sociedade não existe
aceitação absoluta,no lugar e
no tempo.Deixemos de especulações
abstratas.A verdade é
esta.
O problema
da liberdade apareceu
na humanidade quando este indivíduo
que se alça por
sobre povos e nações não
queria mais ser
conduzido por sistemas de poder,quaisquer que
fossem:turcos,ocidentais e
assim por diante.
A mentalidade
religiosa em todas as épocas
trabalha sobre o princípio da intocabilidade eterna dos seus
valores.Se ela decide
ninguém pode tocar.O princípio
da intocabilidade,do dogma está
posto antiteticamente diante
da democracia e da liberdade.
Não se
trata só de religião.No
stalinismo quanta gente não
foi presa e morta
por causa da dissensão em relação
ao partido único,tido
como dogma do “
socialismo científico”.Este tipo de atitude ,em
meio a liturgias politicas,demonstra a
permanência da religião neste sentido
de intocabilidade na consciência de
todos ,inclusive daqueles que
se dizem contra ela ou
que não a seguem.
O certo é
que o dogma sagrado,o
sacer não se coaduna com a liberdade.A construção
do sagrado ,a partir
das datas a que
eu me referi acima,tem
que ser uma
construção responsável,mas uma reconstrução permanente,como uma constituição,cujas bases
podem ser ,inclusive, mudadas.
Os integristas
,do tipo que mataram
os cartunistas,do tipo
judeu que matou
Rábin,acusam esta atitude
de tornar o
homem um vendido,um prostituto
axiológico,que não tem
raízes fincadas em nada e ,pior,para estes integristas ,estes
vendilhões se sentem
superiores ,como Berlusconi.
A raiz
moderna deste atentado
é esta:” eles se sentem melhores
do que nós
por isso nos ridicularizam”.”nós estamos s endo atingidos
em nossa intimidade”.
Sempre aprendi
que o sentimento religioso,a fé,faz
parte da intimidade e ,por isso,é
intocável.Meu pai stalinista dizia :“nunca ridicularize
o sentimento religioso,argumente”.
Eu ficava
pensando:” mas e
os valores transmitidos
por esta fé?Não seriam
beneficiados,inclusive,em
eventuais interesses
políticos,por esta intocabilidade?”Dizer que a
religião é indiscutível
não é um perigo?
Uma vez
o Pasquim,na década
de 70 ,colocou a história
sagrada de Jesus,no mundo animal,precisamente como seria
entre os porcos.Ao aparecer
na edição na banca de
jornais o jurista
ultra-católico Sobral Pinto
mandou uma carta
se sentindo ofendido
e disposto a
processar o jornal que,anos antes,
o havia entrevistado.
A violação
da intimidade não é mostrar
a sagrada família deste modo,mas impedir alguém de professar a sua fé.
Chamar alguém
de viado é afirmar ,quando ele
não assume,a sua desonestidade,é chamá-lo de
desonesto.Isto é violação.Fazer piada
com gays não.
A capacidade
humana de discernir,de analisar e
argumentar é a salvação para
todo este retorno à
Idade Média que
vemos.Para mim aquele
que impõe um casamento,por causa
de um dogma,contra a vontade
do outro,que não é
ouvido,é inferior a
mim,Ernesto Maggiotto Caxeiro,que
não impõe e sabe
argumentar.Aprendi isto quando
li “Os Miseráveis”
de Vitor Hugo,o qual,na personagem Cosette,revela como
a lei era um
dogma,porque não tinha
espaço para ouvir
o lado da menina,que morre
tuberculosa num asilo,sem ajuda.
Portanto,algumas
consclusões são importantes:não existe dogma,mas
pródromos;tudo é argumento e discussão e
a liberdade se identifica com
estes dois conceitos.E
que a superioridade
entre mim e berlusconi
e um muçulmano e sua esposa é o
direito de divergir.Isto para mim é
intocável.Eu posso duvidar
de tudo,menos da dúvida.O
cogito de Descartes é o começo
da civilização.
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